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Cristão pode pular Carnaval?

Uma reflexão pastoral, por Padre José Paulino


Outro dia uma senhora interrogou-me: “Padre, ir ao carnaval é pecado?”.  O questionamento deixou-me muito pensativo. Depois de um tempo olhando-a, respondi: “Depende. Tem hora que vir aqui na Igreja também é pecado. O que torna a gente impura não é o que entra em nosso coração, mas o que está lá, e, de lá, sai por meio das nossas atitudes”. O olhar daquela senhora era tão puro e sincero que logo enfatizei: assim nos ensinou o Mestre de Nazaré (Mc 6, 14-16). 


Muita gente, na busca da santidade – vocação universal - vê pecado e demônios em quase tudo que o povo faz. Sim, não neguemos que o carnaval, a festa de padroeiros e os outros eventos de massas, inclusive promovidos pela Igreja, podem se tornar ocasião de pecado. Isso depende de como está o nosso coração; depende dos valores que nos norteiam; depende da intenção que nos motivou a ir lá; depende de como nos comportamos lá; depende se realmente somos ouvintes e obedientes à Palavra de Deus.


Certa vez, um grande Pastor brasileiro, Dom Helder Câmara, abordou bem essa questão:

"Carnaval é a alegria popular. Direi mesmo, uma das raras alegrias que ainda sobram para a minha gente querida. Peca-se muito no carnaval? Não sei o que pesa mais diante de Deus: se excessos, aqui e ali, cometidos por foliões, ou farisaísmo e falta de caridade por parte de quem se julga melhor e mais santo por não brincar o carnaval... Brinque meu povo querido! Minha gente queridíssima. É verdade que quarta-feira a luta recomeça. Mas, ao menos, se pôs um pouco de sonho na realidade dura da vida!"(Dom Helder Câmara, 01 de fevereiro de 1975, Olinda, Pernambuco.)

 

Fico pensando que, às vezes, uma falsa moral pode ofuscar os grandes combates que deveríamos fazer. Será que ofende mais a Deus o povo pular o carnaval, ou a corrupção que nos ataca? Será que o nosso pecado não é mais grave quando apoiamos e votamos em gente corrupta? Será que não é mais grave quando exercemos nosso poder de forma autoritária e egocêntrica? Será que não é mais imoral agir preconceituosamente? Será que a nossa prática cismática e desrespeitosa com os nossos pastores não se configura um pecado gravíssimo?


O povo vive sem muitos motivos de alegria. Sim, porque uma das outras formas do povo se alegrar era o futebol, mas esse também está desacreditado, devido a tantas denúncias de corrupção. Às vezes, os jogos que assistimos, com extremo sofrimento, os dirigentes já definiram o seu resultado. Os gestores públicos desviam as verbas que deviam cuidar da saúde, educação... Há gente que vive caluniando os seus semelhantes; encontra-se por aí até alguns Ministros Sagrados que usam indevidamente o seu ministério. Eles não veem sentido em ouvir a Palavra e a tradição eclesial. Há gritos autoritários nas comunidades e movimentos - “quem manda aqui sou eu...” - . Alguns católicos são defensores ferrenhos da vida: até condenam o aborto, mas ideologicamente apoiam projetos armamentistas e violentos que geram mortes. Será que isso não seria uma causa mais relevante para o nosso combate?


Retomando a pergunta da senhora, depois de uma boa conversa com ela, eu resumi: “Vá pular seu carnaval. Vá para onde quiser, mas não se esqueça de um detalhe: vá lá como cristã que sabe da existência do Evangelho e dos mandamentos, inclusive o 6º, a serem vividos por nós. Se assim for, saiba que Deus estará contigo. Pular seu carnaval não lhe tornará mais pecadora. E eu que não pularei o carnaval, não serei mais santo que a senhora. Ao contrário, posso me tornar mais pecador, se eu me tornar o seu juiz e lhe sentenciar. Recordemos do convite de Jesus: ‘Não jugueis e não sereis julgados’ (Lc 6,36-38)”.


Querido leitor, cuidado para não se tornar juiz dos seus irmãos. Não nos esqueçamos do episódio do Evangelho em que Jesus disse: “Aqueles que não tiverem pecado atirem a primeira pedra” (Cf. Jo 8, 1-11).


Queridos foliões, pulem o carnaval com alegria e respeito à dignidade das pessoas. Pulem o carnaval como família de Deus! Porém, cuidem para que seu pulo não seja um pulo que contrarie os valores e a sua consciência moral. Respeitem os valores da dignidade da pessoa humana e da vida. Viva a alegria e a paz! Infelizmente, a tristeza, corrupção e violência já nos acompanham o ano inteiro. Se for possível, “esqueça-se” delas um pouquinho. Entretanto, lembre-se de que você é um folião cristão.


Irmãos, aprendamos o que a mensagem de Cristo nos ensina: para se tornar puro ou impuro depende da intenção com a qual movemos as nossas atitudes e sentimentos que brotam do coração/consciência. O Magistério Eclesial nos ensina que não conhecemos a consciência das pessoas. O catecismo da Igreja Católica nos doutrinou que a consciência é o sacrário de cada pessoa. Só Deus pode penetrá-la (Cf CIC, 1776- 2071). Deixemos então que o julgamento seja feito por Deus. Ele nos julga sob outros critérios, especialmente, o da Misericórdia. Finalmente, recordem-se: “será exercido um juízo sem misericórdia sobre quem também não usou de compaixão” (Tiago 2,13).


Deus nos abençoe, nos ajude e nos guarde. Um abraço e bom carnaval!

 

 

Pe. José Paulino

Vitória, ES, 09/02/2024.




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