Senhor, grande fostes em vossa conduta para conosco (Sl126,3)
A Liturgia deste 5º Domingo da Quaresma propõe a consideração da Páscoa já próxima, sob o aspecto de libertação do pecado. Merecida uma vez para sempre e para todos, por Cristo, tal libertação deve ainda consumar-se para cada homem, em particular. Alias, é fato que exige contínua reflexão e renovação interior, porque durante toda a vida estão os homens sempre expostos a cair, e ninguém pode considerar-se impecável.
Deus que outrora, para subtrair o povo eleito da escravidão do Egito, multiplicara prodígios, promete-lhe novos e maiores para libertá-lo do cativeiro de Babilônia. “Eis que vou fazer obra nova... Vou abrir uma via pelo deserto e fazer correr arroios pela estepe... para saciar a sede de meu povo. Ultrapassando as vicissitudes históricas de Israel, a profecia ilumina o futuro messiânico, no qual fará Deus para o novo Israel – a Igreja – coisas absolutamente novas. Não estrada material, mas seu Unigênito dado ao mundo para ser o “caminho” da salvação: não água para dessedentar gargantas ressequidas, mas água vivi da graça, brotada do sacrifício de Cristo, para purificar o homem do pecado e saciar-lhe a sede de infinito.
A novidade cristã é ilustrada de modo concreto pelo episódio evangélico da adúltera, a mulher arrastada até Jesus para que a julgue. “Mestre, esta mulher foi apanhada agora mesmo em adultério. Moisés mandou-nos na lei que apedrejássemos tais mulheres. Que dizes tu?”. Faz o Senhor coisa absolutamente nova, não observada pela lei antiga: não da sentença, mas após solene silêncio de ansiosa expectativa dos acusadores e da acusada, diz simplesmente: “Quem de vós está sem pecado, atire-lhe a primeira pedra”. Pecadores são todos os homens; ninguém, portanto, tem direito de arvorar-se em juiz dos outros, exceto Um só: o Inocente, o Senhor; mas nem ele condena, preferindo exercer seu poder de Salvador: “Ninguém te condenou?... Nem eu te condenarei. Vai e não peques mais”. Somente Cristo, vindo a dar a vida pela salvação dos pecadores, pôde libertar a mulher de seu pecado e dizer-lhe: “Não peques mais”. Sua palavra traz consigo a graça proveniente de seu sacrifício. No sacramento da penitência renova-se, para cada cristão, o gesto libertador de Cristo que confere ao homem a graça de lutar contra o pecado, para “não mais pecar”.
Sugere, a segunda leitura, aprofundamento destasreflexões. São Paulo, que sacrificou tradições, cultura, sistema de vida que o ligavam ao seu povo, considerando tudo isto “lixo, a fim de ganhar Cristo”, encoraja o cristão a renunciar, pelo mesmo fim, a tudo que não conduz ao Senhor, que se opõe a Cristo. Eis o caminho para nos libertarmos completamente do pecado e assemelhamo-nos progressivamente a Cristo até “nos configurarmos com ele na morte”, e depois, na ressurreição. Requer tal caminho sempre novas superações e libertações para mais profunda adesão a Cristo. Ninguém pode pensar ter “alcançado a meta”, mas deve atirar-se “para alcança-la”: para alcançar Cristo assim como foi por ele alcançado.
Transcrição do livro Intimidade Divina, Gabriel Santa Maria Madalena, OCD
SANTA MARIA MADALENA, OCD, Gabriel. Intimidade Divina. Edições Loyola, 1988.
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